Arlequim viajou, caminhou, ora como caminhou, e observou, estudou, sentiu, e depois de tanto saber, descansou, aprendeu a parar, descansar, silenciar e apreciar. Ele apreciou e deixou tudo aquilo que ele desejava entrar e moldar suas Copas, seus Paus, seus Ouros e depois de girar e regirar o mundo, ele retornou ao seu eixo, seus pilares, sua base, seus valores, ele se viu novamente na encruzilhada de seu compadre Exu, mas dessa vez quem estava lá era uma mulher, vestindo roupas que pareciam trapos coloridos, a moça era linda e carregava em seu cabelo, uma rosa vermelha. Ela sentava no trono de Exu, no meio da encruzilhada e bebia champanhe em uma taça cristalina e fumava uma cigarrilha, cujo fumaça formava uma espiral para baixo.
- Eu estava te esperando, Arlequim - disse ela com uma voz que lembrava um leve sotaque espanhol.
- Eu sinto que eu conheço a Senhora há muito tempo - disse nosso Palhaço Cósmico.
- Eu estive em todas as mulheres que estiveram com você, querido Artista do Saber; estava na sua Mãe quando te pariu, estava em Colombina quando você se apaixonou, estive com cada uma das mulheres que você ensinou e no prazer que você teve com todas as mulheres com quem se deitou, e estarei em suas filhas e netas e todas as mulheres que te ensinarão sobre o feminino. Sou o lixo, sou o trapo, sou o riso, sou a dor, sou a Senhora das Graças do Palácio Dourado e a Nossa Senhora das Ruas escuras, estou em cada menina, mulher, idosa no mundo, e sigo sendo e andando na delicadeza da flor, sou Maria Mulambo.
- Laroyê, Pombo Gira
- Mojubá, meu homem, meu menino, meu velho. Meu Irmão, meu Amante, meu Amor, meu Inimigo, meu Grande Amigo, nunca Desconhecido. Preciso te dizer por que você está aqui?
- Não, minha querida Guardiã, eu vim pois minha alma assim quis, meu espírito só guiou esse veículo que visto para receber a minha espada e a Senhora veio me dar a permissão de voltar a usar a minha Espada.
- Sua Espada está ali, encravada na Rocha, aguardando suas mãos...
- Sinto, mas não preciso mais retirar ela da Rocha, agora sei que minha Espada não precisa cortar o ar do outro, para se fazer respirar no entendimento do que comunico. Lembro agora porque Obá me deixou lembrar e recordar o quanto curei e o quanto fiz sofrer com as espadas que empunhei. Sei e sinto. Mas não acredito que precise empunhar mais essa Espada.
- Sinto e Sei o quanto você se transformou para poder aqui estar. Mas por que ainda teme empunhar sua Espada?
- Só agradeço, minha Senhora, não temos. Sinto que não preciso mais escolher um caminho ou outro dessa encruzilhada. Todos os caminhos levam para o mesmo lugar: a mim. Não é suficiente o meu Sentir, por que ainda precisaria de Espadas? Se eu preciso, Senhora, a empunharei, mas antes, me permita perguntar: por quê?
Maria Mulambo gargalhou, não de escárnio, mas de surpresa pela coragem do nosso Palhaço Cósmico em admitir que estava diante do oculto, de algo novo que, mesmo com toda a sua bagagem, mesmo com toda a sua experiência, ele precisava aprender...
- Quem eu sou?
- A Guardiã do Saber que eu entrego ao mundo.
- Sabe tudo sobre mim?
- Muito pouco, nunca saberei tudo, mas Sinto o suficiente para perceber que desejo aprender o que a Senhora quer me ensinar agora.
- Nenhuma mulher é igual a outra, Arlequim, assim como nem um saber é o mesmo. Eu sou Mistério do Feminino, sou a Vulva, sou a Mãe Vagina, sou Ìyámàpò, sou reta, sou turva, sou a familiaridade de onde saem todos os filhos, e o oculto que os Homens querem tanto conquistar, mas nunca saberão tudo. Eu sou O prazer, sou óbo, sou inú, sou O segredo da criação, sou todas as amapôs, as espadas entram em mim, mas sou eu quem as devoro. Se sua espada for amor, terás o meu carinho, se sua espada for para a dor, a castrarei com meus dentes e espinhos. Eu sou O desconhecido dos Seres que buscam o Caminho do Meio entre o se erguer externo do Masculino e o ceder fluindo do Feminino. Eu sou apenas um lembrete, uma seta para te indicar que a Mãe Divina é Parvati, mas também é Kali, e quanto maior é a consciência de um Ser Humano, maior é a queda se ele se esquecer que o Pai Sol é poderoso e nos move, mas é a Mãe Divina e sua Yoni que germinam pelo mundo seu maior fruto: a vida! E a Vida é sempre um rio onde você não entra o mesmo, uma segunda vez, pois ou mudou ou o rio... - disse a Guardiã, olhando para Arlequim, esperando que ele completasse a frase.
- Ou mudou a gente de vez - disse Nosso Palhaço ...
Arlequim olhou a garrafa de champanhe ao lado do trono e perguntou:
- Posso lhe servir mais um pouco de sua bebida?
- Sempre, mas só se você também tomar um golinho antes de seguir a sua viagem.
Arlequim o fez, serviu a Pombo Gira e depois, recebeu a taça de suas mãos e bebeu.
- Matnis, Arlequim
- Matnis, minha Senhora.
- Essa bebida que recebeu, é sua Medicina das Espadas, Arlequim. Vai te ajudar a sempre sentir suas Espadas, antes de usá-las. Bem intencionadas com o seu coração, serão uma benção, farão bem a todos que a tomarem, mas se forem recheadas de segundas intenções, serão O Veneno das Maldições de tudo aquilo que não foi dito direito. Cada palavra que sair da sua boca tem o mesmo poder dessa bebida: medicina e veneno? Sinta qual a dose e você sempre estará conosco ao seu lado e ao seu favor... agora, deixe de frescura e retire sua Espada da rocha. No mundo onde ela se faz necessária, palavras são veículos para o seu Matnis. Segure a sua Espada com a delicadeza, respeito e firmeza que segurou a minha taça.
Arlequim se aproximou da rocha e segurou sua espada e disse em voz alta:
- Eu sou *Merecedor*!!!