Entre o Cerrado e Caatinga, a Rosa dos Ventos se movia e Arlequim viajava. Ele gostava de caminhar pelos 4 cantos, sentir paisagens, falar com as pessoas e se conectar com tudo e todos. Viajante, ele se sentia um só com o caminho, peregrino do dia, romeiro da noite, ele não sabia se gostava mais do sol refletindo no rosto das pessoas ou a noite revelando os segredos ocultos. Entre uma curva e outras chapadas, entre o Viadeiros e Diamantina, foi entre o Goiás e a Bahia, que ele encontrou o *Impostor*.
Lá estava o nosso Arlequim ensinando um menino a montar uma pipa, e onde quer que ele ia, surgia alguém querendo aprender algo que ele sabia ensinar. Ele não precisava montar uma escola ou uma barraca, pois era como se ele próprio fosse a sua Sala de Aula. Sentia que quem precisava aprender com ele, simplesmente aparecia, não era sorte, era a *sincronicidade* entre oferecer algo que o mundo precisa. E foi assim, que nosso Arlequim percebia que não precisava oferecer, bastava estar disponível para ofertar, e *eles e elas* vinham. Afinal, se havia algo que ele tinha aprendido é que há mais gente faminta e sedenta de saber do que gente disposta a ofertar o que sabe. E foi ensinando uma senhora sobre um rezo alegre com ervas que sabia que era bom para curar língua de quem fala mal dos outros, que ele sentiu um redemoinho se aproximando na rua deserta. A senhora se afastou, pois gente antiga sabe que "moinho é rede do demo", mas Arlequim que já não fugia mais desses encontros, reconheceu quem estava dentro do redemoinho, e saudou o seu *Oposto*, que rodopiava ao vento disfarçado de Iansã.
- Não vai saudar a sua Mãe dos Ventos? - disse o Impostor
Arlequim se inclinou em saudação, mas não era em reverência a Oyá - Eparrei! - ele fez sua saudação de respeito com o seu *mudra* de proteção ao mesmo tempo.
- Saúdo e respeito a sua existência nesse Mundo Dual, Senhor Impostor.
O Oposto percebendo que não enganava nosso Palhaço Cósmico, retornou a sua forma original, que era uma imagem que mudava de forma de acordo com as palavras que dizia.
- Ahhh... estava só brincando para saber se você acreditava ...
Arlequim não riu, mas também não fez cara de confronto, sabia e sentia que o Oposto era professor, mesmo que usasse uma didática distorcida.
- A que devo a honra da sua presença? - Perguntou
- Estava te observando ensinando esse povo e decidi trocar umas palavrinhas com o amigo, mas deixa eu te fazer uma pergunta: Você é professor? Porque você sabe para ensinar é preciso ter diploma, ensino superior, permissão e carimbo autorizando, não é não?
- Eu sou o Arlequim e você é o Oposto. Somos o que Somos. Eu ofereço quem sou e você oferece o que É, e o mundo recebe o que ofertamos, se isso será aprendizado ou atraso na caminhada de quem recebe, não cabe a nós decidir ou julgar, não é assim?
- Sinto que você esta mudado, Caro Palhaço, desde o nosso último encontro, houve aí dentro de você, umas transformações, não é não?
- Ninguém entra no mesmo rio, do mesmo jeito, uma segunda vez, não é assim?
- Ou a gente muda ou o rio muda, não é não?
- É assim, não?
- Mas você sabe, Arlequim, que você ainda tem muito chão para caminhar antes de se tornar um professor, não acha que esta ensinando antes do tempo? Não acha que é preciso ter mais experiência para ter certeza absoluta que não esta fazendo bobagem? Muita gente por aí, não consegue ensinar sem ter segundas intenções. Muita gente por aí, ensina por ego, oferecendo pão para colher água...não é não?
- Recebo suas espadas, Caro Oposto, mas me responda, Oyá, Eparrei Minha Mãe, deixa de ventar?
- Claro que não!
- Ajudar quem precisa é meu Ventar, deixar de ajudar é ir contra a minha Natureza, assim como seria contra a sua Natureza, nos ensinar com a luz, quando a sua escuridão ainda é o que o mundo precisa receber, não é assim?
- Você esta dizendo que quero te sombrear, Palhaço? Porque se sim, você esta enganado, eu sou apenas um amigo proseando, não é não?
- E recebo a sua prosa com respeito e carinho. Reconheço a sua importância e lhe agradeço, Caro Oposto.
- Bom... a conversa esta boa, mas preciso seguir meu caminho, Arlequim, mas deixo aqui meu conselho, reflita e sinta se o seu Ensinar é mesmo o que há abundante em sua... como você diz mesmo? ... dispensa.
- Aceito, recebo e sinto o seu conselho, Caro Oposto, até o nosso próximo encontro.
- inté... "Professor Arlequim!" - disse o Oposto com sarcasmo, e sua imagem virou a forma de um Carcará, batendo suas asas e voando para longe.
E antes mesmo que Arlequim pudesse refletir sobre as lições daquele encontro, um turista com um mapa na mão, com cara de quem estava perdido se aproximou e perguntou:
- Do you speak English, Sir? I am kind of lost...
- Yes! - respondeu Arlequim - How can I help you?
E lá seguiu nosso Arlequim com o seu Ensinar, enquanto o vento da Verdadeira Oyá trazia alívio aos corpos que se moviam naquele sertão.
*Matnis*
Eparrei!