Nosso Arlequim, andarilho da vida, continuava descobrindo tudo aquilo que a jornada lhe trazia. Algumas frutas doces, outras verduras amargas, mas só bem lhe fazia, pois ele sentia que quando menos atrapalhava o processo da experiência com expectativas, mas ele se surpreendia com os presentes do Jardim da Mãe Divina.
Na idade, das explorações do Sentir, foi convidado por seu melhor amigo Pierrot, um sujeito triste e meio melancólico, mas sincero e leal, para conhecer as delícias do Carnaval e os mistérios das luzes vermelhas.
Respeitoso diante do poder que sentia percorrer o seu corpo pelas belas mulheres, Arlequim era um tanto receoso, mas sentia enorme atração para aprender mais sobre aquele ministério de deixar fluir a energia que parecia serpentear seu corpo, em momentos inusitados, em instantes sedutores.
Já havia provado um tanto disso com Colombina e se frustrado, agora, em plena folia das ruas, estava naquela casa onde mulheres das mais diversas formas e perfumes, exalavam seu charme para aqueles homens com moedas em seus alforjes, mas que não passavam de meninos, diante do poder feminino.
Pierrot afirmava que aquele lugar daria a Arlequim, a mais profunda iniciação ao Prazer, e Arlequim confiava no amigo para tal sugestão, mas sentia que embora não houvesse preconceito com a mais antiga das profissões, não era assim, que ele desejava ser iniciado e descobrir as chaves daquela ferramenta.
- Agradeço ao seu convite, caro amigo, mas prefiro não prosseguir – disse Arlequim que recebeu de Pierrot nenhuma objeção.
Pierrot era amigo, sabia que quando um amigo dizia não para ele, treinava o sim para si mesmo.
Talvez, Arlequim tenha sido o primeiro menino a entrar naquela casa vermelha sem ter provado dos sabores que a casa oferecia, mas com certeza, foi o primeiro homem a sair dela, confiante que não seria ali, que ele teria contato com a magia do toque e a expansão do cume do gozo.
Caminhando nas ruas, Arlequim se juntou aos cortejos de Carnaval, dançou com os foliões, cantou os mais divertidos refrões, e se uniu as marchinhas, confetes e purpurina pelo ar, naquela festa do povo que libertava aquela gente da pressão do coletivo e rompia o status quo.
Foi ao passar por uma encruzilhada, em meio aos tambores e cornetas, que ele sentiu uma doce fragrância de lavanda encantar o seu olfato.
Perfume que o envolveu e o fez dançar na encruzilhada, fazendo-o lembrar de um certo encontro de outrora, mas a lembrança se desfez, quando ele percebeu surgir na penumbra, fios de tecidos que pareciam trapos, que dançaram juntos com ele, como se tivesse vida própria, ou era apenas o vento, mas naquele exato instante, dentro daquele tempo, Arlequim sentiu um leve toque, talvez fosse novamente o vento, mas Arlequim se deixou levar por aquele quase carinho, percorrendo a sua pele. Carinho que acordava todos os seus pelos, fazendo vibrar cada molécula, fazendo cócegas em cada átomo. Os toques continuavam em lugares diferentes do seu corpo, cada lugar que era acordado por aqueles dedos do vento, despertando novamente memórias de outrora, liberando medos, curando dores, até que nosso Arlequim viu aquela Mulher vestida de vermelho e negro se aproximando, com farrapos cobrindo as curvas de seu corpo, os mesmos farrapos que ele havia visto, e que pareciam ser tecidos rasgados, mas ao mesmo tempo, lembrava as sedas mais deslumbrantes que ele já havia visto.
- *Boa noite, Palhaço do Sentir, bem-vindo a minha corte. Eu sou a Nossa Senhora da Rua, a encruzilhada é o meu Reino.*
Arlequim saudou a moça bonita, que trazia no chapéu branco, uma rosa vermelha, bem parecida com a rosa que ele carregava em seu peito, e na mão direita uma taça de champagne, cujo líquido dourado parecia ser feito de estrelas e brilho da lua crescente. Ela lhe ofereceu sua bebida e avisou:
- *Tome da minha bebida. Sinta em sua boca, receba em sua língua, o doce sabor das copas, mas saboreie com calma, deixe que seu corpo sinta com leveza o prazer dessas gotas se derramando, se juntando com cada parte do ser. Esse é o meu beijo.*
Arlequim sentiu a taça em seus lábios explodindo em mil desejos ainda não saciados. A bebida parecia ser a própria vida que lhe adentrava, borbulhante, gelada em substância e quente em sensações.
Aquela bebida era o Santo Graal da sua criatividade, trazendo mil ideias, mil projetos pedindo passagem, estórias sendo contatas, pétalas de lótus se abrindo.
- *Dance comigo, meu Arlequim, mas sem me tocar, apenas sinta meu movimento, como se você sentisse os raios da manhã tocando a sua pele. Esse é o meu toque. Essa é a minha oferenda.*
Arlequim dançou com a Senhora da Noite como se aquela fosse a Dança do Dia que nasce, despertando a sua vontade de viajar pelos quatro cantos da Terra, manifestar realidades, construir mundos, servir a humanidade com a sua arte.
Cada movimento em compasso com a Mulher dos Mistérios, era uma Gira da Realidade, onde tudo poderia ser possível, sob o poder da liberdade.
Naquele momento, ele aprendia uma nova alquimia, a magia do receber, e por um momento, ele quis retribuir, entregar a rosa vermelha que ele também carregava em seu peito e entregar para a Senhora da Sedução em gratidão, mas ela disse:
- *Não!*
E ele entendeu, SENTIU, que a Dança do Prazer que recebia era uma oferenda e como tal, a sua única atitude era receber com respeito, gratidão e reverência. E assim o fez, nosso Arlequim, sorriu de agradecimento e ajoelhado recitou uma poesia...
_“Nossa Senhor da Rua,_
_Mulher de Todas as vidas,_
_Feminino Sagrado;_
_Agradeço por essa ferramenta recebida, pela lição aprendida, por todo esse carinho, por esse agrado.”_
O vento então trouxe a névoa que cobriu a Divina Mulher em brumas e quando o mesmo vento se dissipou, nosso Palhaço Andarilho viu apenas os tecidos que pareciam trapos no meio da encruzilhada e se lembrou...se lembrou... que ruínas já foram castelos; os mulambos, os farrapos, os trapos eram tudo aquilo que pode ser esquecido pele tecido do tempo, mas sempre será lembrado: *respeito pelo que se recebe na carne, na pele, no coração, na mente e na vida.*
_O respeito é o prazer de ser grato pelo carinho que nos foi e é oferecido._
*Matnis*